terça-feira, 5 de outubro de 2010

A virada

Gente, decidi-me publicar uma cronica aqui. Espero que gostem! :}



   Já eram sete horas da manhã, o relógio me assustava. Não queria deixar o aconchego da minha cama e iniciar toda aquela rotina novamente que se baseava basicamente no ciclo: casa-trabalho, trabalho-casa. Eu não tinha tempo para nada. Não era preocupada com beleza, estava na moda do desleixo. Embelezar-me para que? Melhor, para quem? Nem existia alguém para quem me produzir, a não ser para as paredes e para o computador do escritório. Isso parecia loucura, eu já tinha 38 anos e me sentia sozinha na vida. Muitas de minhas colegas de faculdade já havia se casado, tinham filhos. Eu era um beco, um ser bizarro.
   Como era inevitável me levantei. Fui ao banheiro fazer minhas necessidades matinais e tomar uma ducha fria. Cada gota de água que tocava meu corpo fazia-me pensar. Voltei ao quarto para me vestir. Momento da qual fui tomada de uma fé, uma crença profunda de mudança. Decidi então vestir um vestido todo colorido que comprei em uma promoção qualquer e que nunca havia usado. Até me maquiei. Usei os batons encostados, abandonados, no armarinho do banheiro. Soltei meus cabelos que por muito tempo passaram presos, assim como eu. Estava pronta. Hoje era o dia da virada.
    No caminho para o trabalho, ouvi músicas que costumava ouvir quando ainda tinha sonhos. Decidi-me então passar na confeitaria que vendia as melhores rosquinhas açucaradas que eu já havia comido. Porém no momento de tanta empolgação, um deslize: não percebi o sinal fechado e cruzei a frente de um caminhão e foi quando, de repente, aconteceu.
   Luzes, eu via luzes em todos os lugares. Ouvia vozes também. “Verifique a pressão”, “Hemorragia aqui!”; frases entrecortadas por bips frenéticos, sons que costumava-se ouvir em seriados policiais. Então tudo se silenciou. E se passou um breve filme de toda minha vida. Quanto tempo eu havia perdido presa em um escritório? Não tinha marido, nem filhos, não via minha família há muito tempo e agora parecia que era tarde demais para consertar as coisas. Pensei por quanto perdi minha vida preocupada em datas de entrega de projetos ou ser pontual em reuniões. E deixei de observar se chovia ou se fazia sol, se era primavera ou verão. O escuro continuava a me consumir, mas não foi só agora que emergi no completo breu, há muito tempo estava nele. Só agora estando realmente e literalmente no escuro, eu enxerguei. E depois de um tempo isso parecia ter se acabado...
  - Suzan? Suzan, tudo bem? Olhe para mim!
  Meus olhos ardiam, mas aos poucos encherguei um rosto desconhecido.
  - Oi Suzan, eu sou o Dr. Julius. Você passou por momentos difíceis. Na verdade foram duas semana em estado de coma. Mas agora você vai ficar bem, apesar das cicatrizes. Porém considere-se uma garota de sorte, pois seu rosto está intacto. Você realmente renasceu, saiu viva de um acidente que tornava essa chance improvável.
  Era exatamente assim que me sentia: renascida. Queria me levantar daquele leito para ver o sol, sentir a sensação da brisa tocando meu rosto, o cheiro adocicado das flores e como era bom viver. Desejava férias e rever minha família. Além de que ainda almejava meus sonhos de mulher de volta, como casar-me e formar minha própria família. E as tais cicatrizes das quais o Dr. Julius falara agora representavam para mim a marca de minha superação. Eram a prova de que eu era a vencedora da pior e mais violenta das guerras: “ A guerra contra si mesmo”.

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